Estudo de circulação 3
Latossolo
(Michel Santos, 2017)
AssistirExiste algo de total em nossa relação com a terra, em nossa relação com o espaço. Somos a terra, nos confundimos com ela e as comunidades tradicionais, em suas variadas formas, nos oferecem a compreensão total disso. O solo, assim nomeado por Michel Santos, é o protagonista nesta realização. O estabelecimento de relações que partem dele e dos seus muitos significados mostra como as escolhas feitas pelos outros personagens, coadjuvantes a partir desse ponto de vista, são capazes de modificar tudo ao redor. Levando em consideração um significado para a terra, para o território, para o chão, para o solo, é que as atitudes são tomadas e as consequências não surpreendem. Usando de estruturas cênicas, o filme se afirma como não ficcional, ao passo que demonstra a verdade destas relações e algumas de suas consequências.
Conversas com o realizador [Playlist]:
Estudo de circulação 2
Rebento
(Vinicius Eliziário, 2019)
AssistirHá algo de familiar na realização de Vinicius Eliziário. Tudo, na verdade, é sobre essa familiaridade – como ela é estabelecida, construída e como ela funciona. Desde o cenário, uma festa na periferia, as casas e suas histórias, tudo nos apresenta um sentido de intimidade, até mesmo o amigo do protagonista, fruto, mas também causador de ausências. A falta de experimentação de uma relação paterna é também familiar, no sentido de ser muito conhecida, de ser muito próxima de nós enquanto indivíduos, enquanto sociedade, e atravessa muitas situações dentro do filme.
O filme, em relação com a música de Gilberto Gil, nos oferece a aproximação com os versos: “O coração dizendo: bata/ a cada bofetão do sofrimento”.
Conversas com o realizador [Playlist]:
Estudo de circulação 1
A vida é pra valer
(Marvin Pereira, 2018)
AssistirExiste uma grata surpresa pra quem chega ao fim do filme “A Vida é pra Valer”, de Marvin Pereira. Do começo, até o, digamos, clímax da história, nos contentamos em acreditar que se trata de uma história como muitas que conhecemos e, nisso, ela realmente se parece fiel. Não há surpresa na narrativa que, como a própria obra cita, se parece com a música Marvin, dos Titãs, e a longa tradição que ela carrega: a morte do pai e a inadiável e dramática sucessão do seu filho mais velho. Num entrecruzamento entre religiosidades católicas rurais, a história da hereditariedade que sustenta poderes devastadores, somos colocadas diante de um pedido: é necessário aceitar, de um determinado instante em diante, o pacto ficcional que o filme propõe. Assim, podemos rever todas as coisas que parecem já vistas a partir de uma outra matriz, de uma outra mirada mais generosa. Este pacto nos convoca a aceitarmos a presença de uma ludicidade teatral, em seu melhor sentido: uma espantalha que fala, nuvens de guarda-chuva que anunciam o temporal, coral de anjos negros, Nossa Senhora da Conceição de tranças, bois que são representados pelo bumba-meu-boi. O poder aparece ridicularizado na figura de um ator branco, de andar risível e que destoa das outras personagens, todas negras. A vida é pra valer, Marvin, mais do que uma interpretação, uma tradução da música, o filme nos oferece mais.
sessão Fluências – A feira, a passagem
Um dia na Rampa
(Luiz Paulino dos Santo, 1960)
AssistirTodos os caminhos levam a rampa do Mercado Modelo, seja pelas ladeiras que comunicam a cidade alta com a cidade baixa, seja pela baía de Todos os Santos, através dos saveiros trazendo as mercadorias do recôncavo para Salvador. Durante um dia na rampa, acompanhamos a feira como um espaço de convergência dos fluxos que a atravessam, constituído através das dinâmicas do mundo do trabalho, das pessoas e suas sociabilidades.
Feira da Banana
(Guido Araújo, 1972)
AssistirParte de uma possível trilogia sobre o recôncavo, junto a Maragogipinho (1969) e A morte das velas do Recôncavo (1976). É um documentário no qual Guido Araújo, a partir da feira que dá nome ao filme, observa a sua centralidade nas relações econômicas na cultura da banana na região de Nazaré das Farinhas, a distribuição para Salvador, a partir do porto fluvial da cidade e as transformações oriundas com a chegada do ferry boat e rodovias, que modificam e ameaçam a continuidade da feira e dos saveiros.
Segunda-feira
(Geraldo Sarno, 1979)
AssistirTrês cidades unidas por um espaço em comum: a feira livre. Atividade comercial presente, sobretudo, nas cidades interioranas, a feira é descrita nos versos do poema de José Carlos Capinan – que no filme é narrado por Nelson Xavier – como uma forma de fazer e um desfazer diário, um resumo do necessário. Passando pelas cidades de Cachoeira e Feira de Santana, na Bahia, e Caruaru, em Pernambuco, o cineasta documenta os fluxos e dinâmicas presentes nesses territórios de convergência.
Sexta-Feira
(Denise Oliveira e Rebeca Vitória, 2020)
AssistirDeslocar-se em busca daquilo que faz o comum. Sair ao encontro de cheiros, sons e paisagens que remetam ao local de origem e reverbere pertencimentos. A feira, aqui, é vista para além de um espaço de intercâmbio comercial.
Presente em grande parte das cidades brasileiras, a feira livre se configura como um espaço ao mesmo tempo fixo e mutável. Lugar de fluxo, de trânsitos, é presença marcante no cinema brasileiro ocupando, por vezes, lugar de protagonismo e não apenas como cenário. Se o comércio desponta como atividade primordial de sua existência, esse conjunto de filmes revela que este espaço é também local de encontros e repositor de memórias capaz de estabelecer elos afetivos e de pertencimentos.
Céu sobre Água
(Maria Esther Stockler e José Agripino, 1978)
AssistirArembepe, Bahia, 1972-1978. Corpo e céu. Pernas que se abrem revelando o sexo, ao mesmo tempo em que os pés apontam para o infinito azul. Movimentos suaves que coreografam um caminhar que prescinde do chão, que se prepara para o encontro com a fluidez da água. Corpo e água. Unidades que poderiam ser distantes, mas que parecem buscar a dissolução, que se compõe a partir de três elementos: céu, água e mulher, que se desdobra em uma criança de uma forma descontínua e fluidamente atemporal.
Como uma onda no mar
(Marcondes Dourado, 1998)
AssistirTransparências, sobreposições e um corpo em contato com a água. Movimentos e fluidez que evocam a tessitura do tempo, num movimento não linear, em um mergulho que nos convoca a uma experiência sensorial.
Gato Capoeira
(Mário Cravo Neto, 1979)
AssistirUm homem negro de roupa azul se desloca pela cidade antiga. Gato, o capoeirista que através dos seus movimentos na luta-dança faz seu corpo fluir entre as pedras, ladeiras e rodas de capoeira do Pelourinho à rampa do Mercado Modelo, por fim mimetizando-se no pôr do sol e desaguando na baía de Todos os Santos.
sessão O fluxo – A tríade da água
Água como evocação de fluxo e movimento. Água como plasticidade que se adapta, e também como força fertilizadora que impregna e muda cursos e caminhos. Nesta perspectiva os filmes selecionados convergem nas suas relações entre os corpos, as águas e as potencialidades da experimentação, que fazem do cinema um espaço sensorial.
Xaréu
(Alexandre Robatto Filho, 1954)
AssistirApós um ano do lançamento de Entre o Mar e o Tendal (1953), obra de destaque do conjunto de filmes dirigidos por Alexandre Robatto Filho, o diretor aposta em uma recriação ao lançar Xaréu (1954), a partir de uma remontagem das imagens e elaboração de trabalho sonoro marcante. Envoltos na mesma temática, ambos os trabalhos abordam a vida de uma comunidade pesqueira da capital baiana. Aparecem em cena as precárias habitações que abrigavam os pescadores, as suas tradições e as relações assimétricas de trabalho que impunham jornadas exaustivas.
Imagens do Xaréu
(Marília Hughes e Cláudio Marques, 2007)
AssistirInspirados pelo registro documental de Alexandre Robatto Filho, os diretores Marília Hughes e Cláudio Marques decidem revisitar uma comunidade pesqueira filmada na década de 1950. Ao apostar no cinema como um dispositivo capaz de recompor história e construir memórias, a produção robattiana é incorporada à narrativa fílmica provocando diálogos temporais. Através de depoimentos dos moradores remanescentes da antiga vila de pescadores, notam-se as dissonâncias e aproximações que unem diferentes gerações.
Por exemplo: Caxundé
(Antonio Cury, Eduardo Cabrera, Fernando Belens, Homero Teixeira, Maria Edna Oliveira, Pola Ribeiro e Romero Azevedo, 1977)
AssistirUm território em disputa e o debate sobre moradia em Salvador, foram os temas escolhidos por um coletivo de jovens cineastas baianos nos anos finais da década de 1970. Com uso do som direto e em tom de denúncia, esta produção documental busca dar voz aos moradores da comunidade do Caxundé acometida por insistentes atos de violência decorrentes da expansão e cobiça do setor imobiliário.
sessão O fixo – A tríade Caxundé
Esse conjunto de filmes versa sobre um mesmo território da capital baiana registrado em épocas distintas. A aproximação das obras dá a ver não somente as continuidades, rupturas, as problemáticas sociais, a força de trabalho e os corpos que habitaram esse espaço, como torna também evidente os procedimentos narrativos e imagéticos adotados para cada filme, que em uma perspectiva histórica revelam diferentes modos de fazer da produção cinematográfica brasileira.
Sessão de Abertura
Queríamos poder apresentar esta sessão de abertura oferecendo respostas. Queríamos? Querem vocês? Observando os títulos dos filmes, supomos uma entrada por um caminho interpretativo fácil. Queremos, todavia, interpretar? Quais seriam as chaves possíveis para acessarmos estas três obras? As águas produzem os caminhos. E a água flui, por entre as pedras, no meio dos montes, mas também se transforma em branca fumaça, ebulindo, como vulcão, cuspindo; em onda; gélida; caindo em torrencial. A água também oferece consolo: alimenta, preenche, materna. Essas são as águas desta sessão que nos oferecem o desvio, a curva do riacho, o vento, o encontro com Milena Manfredini, Aline Brune e Sebastian Wiedemann. Xangô, Oxum e Obatalá, o encontro improvável da água com o fogo, com mediação do ar – a água é mãe do fogo, a água é amada pelo fogo – ainda que vapor, fumaça e também inconstante. A criação que não vê fronteiras entre o audiovisual e demais artes da imagem, do som, das contações de histórias, das palavras, das danças – as mulheres grávidas de gente e de água, cachoeiras, Mãe Celina de Xangô, Obatalá. O branco, o vermelho e o amarelo.
Obatala Film
(Sebastian Wiedemann, 2019)
AssistirMãe Celina de Xangô
(Milena Manfredini, RJ, 20min., 2019)
AssistirTem um Monte de Oxum no SUS
(Aline Brune, 2019)
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Assistir Assistir Assistir /**/ /*AFLU-LOCAIS*/ /**/
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Juh Almeida
Eu quero traçar rotas de fuga. Rotas que estraçalhem fronteiras, estreitando os mares, os corpos e o pensamento em uma viagem de volta para o presente. Sim, há solitude, há beleza, resiliência. Há passos firmes nessa trajetória ainda jovem da realizadora Juh Almeida, que brinda essa mostra com dois filmes singelos, Irun Orí (2020) e O L é de Lésbica (2020), filmes assumidamente marcados pelo desejo de materializar a subjetividade de mulheres negras e de homenagear àqueles que vieram antes.
Conversas com a realizadora [Playlist]:
Pedro Nishi
Dois filmes de Pedro Nishi estão em exibição no FLUXO-FIXO: seu curta de estreia, Retratos para você (2016) – um delicado jogo de correspondências e esforço de aproximação com a perspectiva da criança protagonista, que parece ela mesma assumir a direção – e seu filme mais recente, Contos da Família Pu (2020), onde a tradição se revela em transformação, sabedoria e resistência. No arco entre os dois filmes, Nishi realizou – quase sempre em direções partilhadas – mais quatro trabalhos que impressionam pela versatilidade (da animação à videodança), mas também num certo desenvolvimento de uma poética aparente. Difícil caracterizá-la, visto que se mostra em construção, mas a relação com a dança, uma certa construção de pontes entre Brasil e China, que por vezes se anuncia pelos fantasmas, noutras pelo relato oral, se sobressaem ao ver os trabalhos juntos.
Conversas com o realizador [Playlist]:
Iris Oliveira
Estilhaços são fragmentos minúsculos: de matéria, de corpos, de ideias. São como pó que se dissipa no ar, memória esquecida. Nos dois filmes da realizadora Iris de Oliveira que fazem parte desta mostra, Acervo ZUMVI: O Levante da Memória (2020) e Poesia Urbana (2003), nós somos convocados a olhar para um tipo de gesto cuja poética parece querer recompor pequenos fragmentos. Mas que gesto é esse o de ressignificar o esquecimento?, perguntamos. Que lente é essa cujo olhar restitui humanidade?
Conversas com a realizadora [Playlist]:
programa 1 – Preservações
Neste conjunto de imagens, o dever, a sabedoria e o laborioso esforço da preservação se expõem. Vamos à luta pouco a pouco vai encontrando e nos mostrando as cenas salvas do esquecimento derradeiro. O encontro com os rastros do primeiro filme, o Vai à luta (1979), funda este que vemos e que se faz em tom de busca, impregnado pelo calor dos encontros que sugerem caminho de continuação de uma história inacabada. Em Acervo Zumvi são as imagens que contam e desvelam uma história da luta negra. Acompanhando o fotógrafo Lázaro Roberto, o filme produz uma série de encontros que demonstram a importância de um persistente trabalho de registro, salvaguarda e intervenção política. O Contos da Família Pu, tal como na sabedoria que se inscreve e se exala do incenso, entretece temporalidades nos mostrando a transformação que se dá insuspeita e decisiva.
Acervo Zumvi – O levante da memória
(Iris Oliveira, 2020)
AssistirContos da Família Pu
(Pedro Nishi, 2020)
AssistirVamos à Luta
(Paula Carneiro e Tenille Bezerra, 2021)
Assistirprograma 2 – Traçar rotas, trançar correspondências
Talvez a noção de correspondência seja importante para nos relacionarmos com esse pequeno conjunto de filmes. Seja através de uma carta, de um retrato, do gesto ancestral de trançar os cabelos ou mesmo do ato correr abrindo rotas insuspeitas, esses três filmes investigam, aos seus modos, continuidades da memória, atentando-se aos gestos e saberes ancestrais.
Irun Orí
(Juh Almeida, BA, 8min., 2020)
AssistirRetratos para você
(Pedro Nishi, 2016)
AssistirEnraizadas
(Gabriele Roza e Juliana Costa, 2019)
Assistirprograma 3 – Entre rimas e sinfonias
Aqui estão reunidos três trabalhos em que a emergência da poesia se dá no espaço público, marcadamente nas ruas. Allegro Ma Non troppo, curta da experiente Everlane Moraes traduz e elabora poeticamente o encontro da cineasta com a paisagem humana e estética de Havana (Cuba). Poses, retratos, vitrines… trata-se de um curta inebriado pela beleza. Avizinhamos Poesia Urbana e O L é de Lésbica, ambos costurando poeticamente encontros de corpos, sugerindo que os dois acentuam o despertar da poesia no espaço urbano na coreografia dos desejos e dos encontros.
Allegro Ma Non tropo
(Everlane Moraes, 2016)
AssistirPoesia Urbana
(Iris de Oliveira, Edson Bastos, Valnei Nunes, 2003)
AssistirO L é de Lésbica
(Juh Almeida, 2020)
AssistirLinha dedicada às poéticas e políticas de continuidades no fazer cinema, com interesse de pensar juntos sobre trajetórias de jovens artistas e realizadoras. Articulando o pensamento de processos com um pequeno conjunto de filmes que compõem o programa outras rotas, tenta-se, aqui, uma aproximação inicial ao pensamento em torno da constituição de trajetórias no cinema.
Para esta linha curatorial, imergimos numa pesquisa em três processos de diferentes artistas (Juh Almeida, Iris Oliveira e Pedro Nishi). De cada um/a, escolhemos 2 filmes – modesto recorte sem qualquer pretensão de dar conta ou sintetizar essas poéticas que estão em construção e em ebulição. Somado a esse gesto, convidamos 3 outros filmes que nos parecem dialogar e alargar por múltiplas ordens esse primeiro recorte. Imaginamos que a trama desses dois esforços potencializam a ação de confluir.
(Leandro Santos e Fabio Rodrigues Filho)
Esta linha curatorial é uma pesquisa histórica que constrói arranjos diversos a partir da ideia de continuidades, quais sejam, estéticas, temáticas ou de processos. Reunindo filmes de outrora do cinema realizado na Bahia, a concepção, aqui, é da história como construção política constante, imbricando tempos (passado, presente e futuro) e fundamentando a tomada de posição.
(Ana Luisa Coimbra e Izabel Fátima Cruz Melo)
Esta linha curatorial dedica-se ao estudo de percursos de circulação de filmes e ao pensamento de como a circulação transforma as obras e contribui para continuidades do fazer cinema. As sessões de abertura e de encerramento, dedicam-se à exibição de filmes posicionados, gerados e difundidos por outras rotas talvez menos conhecidas.
(Maria Dolores Rodriguez e Thamires Vieira)
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